CASAS COLABORATIVAS
No Brasil, o termo casa colaborativa, passou a ser utilizado no começo dos anos 2010 e ganhou força com o desenvolvimento de iniciativas como a Casa Liberdade, em Porto Alegre, e a Madalena80 e Laboriosa89, ambas em São Paulo. Essas primeiras casas foram criadas por empreendedores em diferentes áreas da economia criativa como design, arquitetura, tecnologia da informação, marketing, administração, entre outras. A intenção inicial era dividir espaços de trabalho, mas, além disso, era também colocar em prática e testar formas organizacionais com uma gestão distribuída, sem que houvessem gerentes ou coordenadores para determinadas tarefas, e sem que houvesse sequer reuniões para votações, definições ou decisões. A proposta era que a manutenção da casa fosse realizada através de contribuições financeiras espontâneas e com valores definidos pelos próprios integrantes. A entrada e saída das pessoas eram livres, pois todos podiam receber a chave das casas. Eram ambientes de liberdade criativa, de experimentação de um modelo mental e organizacional horizontal e não hierárquico, e de construção de relações de confiança e abertura. (OLIVEIRA, 2014; VELASQUES, 2016).
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A Casa Liberdade e a Laboriosa 89 fecharam suas portas devido, entre outros motivos, às dificuldades de pagamento do aluguel dos imóveis, mas inspiraram a criação de diversas outras que já começavam com aprendizados do que gostariam de repetir e do que não gostariam. Como é o caso do TransLAB, casa colaborativa que, conhecendo o modelo anterior, estabeleceu previamente o que não queria fazer. (MICHELIN, 2017).
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Em Porto Alegre, as casas posteriores a essa primeira fase emergiram a partir de 2012. Durante encontros mensais entre membros das casas colaborativas realizados em 2016 dos quais participamos, mapeamos oito delas: Acervo Independente, Aldeia, La Casa de Pandora, Nimbus, Paralelo Vivo, TransLAB, Vila Flores e ZAC - Zona de Aprendizado Criativo.
Assim como as casas da primeira fase, as desse segundo momento também foram formadas por empreendimentos, tanto formais quanto informais, atuantes em segmentos da economia criativa. Neste página estão listados os empreendimentos residentes nas oito casas entre janeiro de 2016 e dezembro de 2017.
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Percebemos que há uma ampla gama de referências para a constituição das casas relacionada aos membros fundadores. Desde conceitos há muito tempo existentes como as comunidades alternativas do movimento hippie, o processo de squatting, os ateliês compartilhados de arte e arquitetura, as hortas comunitárias, até formatos mais recentes como os living labs e os fab labs. (LITVIN, 2017). Há casas colaborativas voltadas especificamente a áreas artísticas e criativas como o Acervo Independente e Aldeia. Há outras com o foco em projetos voltados ao bem-estar da sociedade, à melhoria da qualidade de vida, à sustentabilidade ambiental, como o Paralelo Vivo, por exemplo. E em muitos casos os focos de interesse chegam a misturar-se, porém, ao analisarmos as casas, fica claro que cada uma tem uma ou duas causas que direcionam suas ações.
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Os integrantes das casas colaborativas envolvidos na gestão buscam inspiração nos mais diferentes processos, abordagens e ferramentas. Podemos citar o Dragon Dreaming que intitula-se uma metodologia de desenvolvimento de projetos colaborativos. Certas ferramentas ensinadas nos cursos de Dragon Dreaming (alguns realizados nas próprias casas colaborativas) são adaptadas para os processos de gestão. Há a Sociocracia, entendida como uma "[...] tomada de decisão e um método de governança para gerenciar que permite a uma organização se gerenciar como um conjunto orgânico". (SOCIOCRACIA, [2017?]). A Arte de Anfitriar (mais conhecida pelo seu nome original em inglês, Art of Hosting) é vista como uma abordagem "[...] para o alcance desde liderança pessoal até a sistêmica, utilizando práticas pessoais, de diálogo, facilitação e cocriação de inovação, de forma a endereçar mudanças complexas". (ARTE DE ANFITRIAR, [2017?]).
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A inspiração nesses diferentes processos e abordagens e a mistura dos mesmos torna a gestão das casas colaborativas algo híbrido que não deixa de lado métodos tradicionais da administração. O ponto a salientar é a importância dada à participação dos integrantes das casas colaborativas nos processos decisórios, já que as decisões são tomadas da forma mais aberta e transparente possível e todos são convidados a expor seus argumentos e opiniões. O que não significa que de fato todos participem – o mais comum é a participação das pessoas que possuem um perfil mais colaborativo e ativo dentro das casas.
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As abordagens e processos citados são utilizados também no desenvolvimento das atividades levadas a cabo pelos empreendedores. As atividades possuem os mais diversos formatos: cursos, oficinas, serviços, projetos, palestras, festivais, seminários, eventos culturais, produtos, entre outros. Além das atividades realizadas dentro do espaço físico das casas, há as atividades fora de suas dependências. São atividades relacionadas aos processos de transformação urbana realizando ações voltadas para o território em que situam-se – a rua, bairro ou cidade. Determinados projetos contam com a participação da comunidade do entorno, seja na cocriação das ações ou apenas no comparecimento às atividades. Há casas que atuam diretamente com instâncias do poder público para reivindicar seu envolvimento nos processos decisórios de planejamento urbano, participando de reuniões com a prefeitura e suas secretarias para articular melhorias para a cidade.
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Podemos citar o Espaço Orgânico no TransLAB, feira criada em 2015 onde há venda de produtos orgânicos por pequenos produtores. Estivemos no local em junho de 2017 e pudemos observar a atividade: um banner é colocado no portão de entrada da casa anunciando o dia e horário da feira, a venda dos produtos, a possibilidade de degustação dos mesmos e conversas com os produtores. Os produtos são expostos em caixas de feira e cestas e os próprios produtores estão no local para comercializá-los. A iniciativa tornou-se um ponto de encontro semanal entre os residentes do TransLAB, os produtores, o público consumidor e a vizinhança.


Fotografias do Espaço Orgânico no TransLAB. Fonte: Registros da autora.
Algumas atividades como o Espaço Orgânico são organizadas por diferentes residentes de uma casa colaborativa. Ao contrário de outros espaços que não realizam atividades em conjunto, as casas colaborativas realizam ações em que um certo número de residentes, de diferentes empreendimentos, participa. Um dos casos é o Projeto Simultaneidade, realizado bienalmente no Vila Flores. O projeto consiste de dois dias de atividades como oficinas, rodas de conversa, espetáculos de artes cênicas, shows, exibição de filmes e exposição de artes visuais. Os residentes do Vila Flores colaboram para a realização do evento e das atividades seja ao ministrar uma palestra, dar uma oficina ou expor seu trabalho, e também colaboram na idealização e produção do evento. Parceiros externos à casa também são convidados a participar com alguma atividade. Em 2017, integrantes do TransLAB e ex-integrantes do Paralelo Vivo e da La Casa de Pandora participaram.

Material de divulgação do evento. Fonte: Projeto Simultaneidade.
Embora exista sinergia entre as atividades realizadas pelas e nas casas colaborativas, a parceria no desenvolvimento das mesmas é escassa. Tentativas foram realizadas por integrantes, mas poucas surtiram efeito. Neste sentido, entre 2015 e 2016, foram realizados encontros mensais com participantes das casas colaborativas mapeadas, além de outras iniciativas e curiosos como uma tentativa de criação de uma rede. Durante os encontros, pesquisadores do SeedingLab exerceram um importante papel de articuladores da rede e impulsionadores das discussões. Os pesquisadores colaboraram para a condução das reuniões e registro dos debates. As dissertações de Michelin (2017) e Litvin (2017) apresentam relatos detalhados dos encontros. Os encontros abordavam quatro demandas principais percebidas como comuns à todas as casas: gestão, comunicação, infraestrutura e sustentabilidade financeira. Além dos encontros mensais, foram também realizados três tours pelas casas colaborativas, o que permitiu uma maior aproximação entre os integrantes e trocas de conhecimentos.
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Em novembro de 2017 também aconteceram dois encontros sobre o assunto durante o evento ONU-HABITAT Urban Thinkers Campus Porto Alegre, nos quais estivemos presentes. Em uma mesa redonda na Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com representantes de casas colaborativas e espaços de coworking cujo tema era inovação sustentável, ficou clara a necessidade da rearticulação entre essas iniciativas. Já em uma segunda mesa redonda, no Vila Flores (foto abaixo), também com integrantes de casas colaborativas e pesquisadores acadêmicos sobre o assunto, enfatizou-se a importância da retomada dos encontros mensais anteriores. A manutenção da frequência dos encontros foi vista como crucial para que esses ecossistemas criativos possam mutuamente se fortalecer e ampliar suas ações na sociedade.

UTC no Vila Flores. Fonte: ZISPOA.
Nos últimos meses desta pesquisa o status das casas colaborativas mapeadas era o seguinte: Acervo Independente, Casa Liberdade, La Casa de Pandora, Nimbus, Paralelo Vivo, TransLAB e ZAC - Zona de Aprendizado Criativo não estavam mais localizadas em espaços físicos, porém as redes formadas continuavam existindo de outras formas: a Aldeia passou a se organizar como um espaço cultural e não mais como uma casa colaborativa; e o Vila Flores passava por uma reorganização interna, em que seu entendimento como casa colaborativa estava sendo revisto pelos próprios idealizadores e integrantes. Em contrapartida, vimos os primeiros passos de iniciativas que estavam nascendo com o objetivo de tornarem-se casas colaborativas, como é o caso do Ateliê 130 e da Casa das Cidades.
Embora não existam fortes conexões entre esses ecossistemas criativos, e que alguns sequer se entendam hoje como casas colaborativas, o legado de suas contribuições ainda está vivo e disseminando-se para outras iniciativas. Partindo da conceituação de inovação social anteriormente apresentada, as casas colaborativas reconfiguram e ressignificam as relações e práticas sociais promovendo, assim, novas maneiras de gerenciar, conectadas com um formato mais distribuído e integrador. A inovação social nesse caso é identificada nas novas relações sociais que produzem e são produzidas por novos métodos de gestão: uma gestão que engloba o cuidado, a abertura para a escuta e para o diálogo, a tomada de decisão o mais horizontal possível e a tentativa constante de fazer com que os participantes não se sintam numa empresa de viés corporativo e puramente comercial, mas sim num ambiente acolhedor.
Sendo assim, enxergamos as casas colaborativas como o primeiro arquipélago de ilhas (imagem abaixo) de pessoas que atuam em direção a outros modos de ser e fazer. Um arquipélago formado por iniciativas com semelhanças entre si, mas também com características próprias, conferindo a ele diversidade na unidade, assim como unidade na diversidade. Um arquipélago de novos modos de gestão que fogem de sistemas centralizados e hierárquicos em que os participantes têm pouca voz e autonomia.

Fonte: Elaborada pela autora.
Essas novas formas de gestão são operadas a partir dos modos de design das casas colaborativas. Seu senso crítico analisa os modelos de gestão tradicionais e procura subvertê-los e adaptá-los. Não aceitam que a administração seja feita em um sentido de cima para baixo e, através da inspiração em novas metodologias, exercitam uma gestão horizontal e distribuída. Sua criatividade e senso prático está justamente em imaginar novos e readaptar antigos modelos de gestão, colocando-os rapidamente em experimentação.
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Quando pesquisávamos as casas colaborativas, em especial o aspecto da gestão, vimos que alguns ecossistemas criativos, por mais que fossem semelhantes, não se encaixavam na definição. Ao contrário das casas colaborativas que buscavam ser um local de experimentação de gestão descentralizada e horizontal, alguns espaços não tinham esse objetivo e desejavam a centralização dessas atividades. Identificamos então os espaços coletivos de produção que serão apresentados a seguir.