top of page

ESPAÇOS COLETIVOS

DE PRODUÇÃO

Ateliês compartilhados por artistas visuais, escritórios divididos entre empresas de arquitetura ou estúdios de ensaio e gravação utilizados por músicos são formatos bastante conhecidos e podem ser identificados ao longo da história. O que percebemos eclodir em tempos mais recentes são espaços coletivos de produção formados por empreendimentos de diferentes segmentos: design, moda, audiovisual, publicidade, comunicação digital, arquitetura, entre outros.

Identificamos dez desses espaços em Porto Alegre: A Casa, Area 51, Cartel 331, Casa de Amapola, Casa Garibaldi, CC100, Distrito Empreendedor, Galpão Makers, Marquise 51 e Quintal Cultural. O mapeamento completo dos empreendimentos em cada um dos espaços coletivos de produção está nesta página.

Durante o percurso do mestrado estivemos presencialmente em quatro deles: Galpão Makers, Marquise 51, Distrito Empreendedor e A Casa. Nas ocasiões das visitas aos espaços nos encontramos com os gestores para investigar os modos de funcionamento e as relações que ocorrem nos locais e a partir deles.

A iniciativa da criação de um espaço surge de integrantes de um ou mais empreendimentos que necessitam de um local de produção e desejam compartilhar os custos deste local. Cada espaço coletivo de produção é então formado por empreendimentos criados e administrados por jovens empreendedores, em sua grande maioria com educação superior finalizada ou em andamento. Há profissionais que já atuaram em grandes empresas e que, ao sentirem-se descontentes com o ambiente de trabalho ou desconectados do seu propósito, resolveram criar seus próprios negócios. Seus empreendimentos são criados levando em consideração a importância da realização pessoal, ou seja, de um trabalho que faça sentido para eles.

Por precisarem de espaços amplos e diversos para produzir, acabam por alugar casas inteiras em que cada empreendimento tem sua sala fixa, sublocada por uma quantia mensal. A maioria dos espaços possui uma sala para coworking em que profissionais alugam uma estação de trabalho (uma mesa ou uma parte de uma mesa) por hora, dia ou mês.

A produção dos empreendimentos pode ser limpa, ou seja, quando envolve atividades realizadas em escritórios, estúdios ou salas de reunião; ou pode ser suja, no caso de atividades em que materiais precisam ser cortados, lixados e pintados. Quanto à produção limpa, há os escritórios de publicidade e propaganda, de design gráfico e de marketing, por exemplo, em que os integrantes dos empreendimentos usam basicamente computadores, mesas, cadeiras e as paredes para colocar recados. Na primeira fotografia abaixo podemos ver uma das salas do Distrito Empreendedor em que a parede é utilizada como recurso para anotações. Quanto à produção dita suja, há ambientes com máquinas e equipamentos para uso compartilhado entre os integrantes. A segunda fotografia ilustra o espaço compartilhado do Galpão Makers em que há máquinas de corte, de serragem e lixação. Ali são produzidos produtos em madeira, acrílico e outros materiais.

Fotografia do Distrito Empreendedor. Fonte: Registro da autora.

Fotografia do Galpão Makers. Fonte: Registro da autora.

Seja na produção limpa ou na suja, a presença da tecnologia é uma constante. São utilizados softwares de produção gráfica, gerenciamento de projetos, de mensagens instantâneas para comunicação e de criação de todo tipo de documentos. Alguns empreendimentos fazem uso de equipamentos como impressoras 3D, de realidade virtual e visualização de dados. Como exemplo citamos a startup Mespper no Distrito Empreendedor que trabalha com óculos de realidade virtual, e a Mission Control, empresa que apresenta dados em uma espécie de sala de comando high tech. Entretanto, há também o desenvolvimento de processos artesanais, como o trabalho à mão em madeira e em tecido. No Galpão Makers há iniciativas como o Estúdio Terra Mater, Serlo e Preza que desenvolvem produtos em madeira, e a Céu Handmade na A Casa, que customiza artesanalmente jaquetas jeans, camisetas e coletes.

Os resultados das produções são apresentados e comercializados no próprio local. É comum vermos produtos em exposição pelos corredores e em salas maiores dos espaços. Feiras e bazares são realizados pelos empreendedores para promover a circulação de suas produções, neles são vendidos não apenas os produtos dos empreendimentos do espaço, mas também de parceiros. Feiras como a Junção Makers do Galpão Makers já entraram para o calendário anual de feiras da cidade. Os espaços físicos servem também de cenários para ensaios fotográficos dos produtos que são veiculados nos canais online das marcas.

Mas para além dos produtos e serviços em si, desenvolvidos por eles mesmos representando assim uma cultura maker, o que esses espaços coletivos de produção nos mostram são as novas relações com os processos produtivos e com quem está envolvido neles. Como dito anteriormente, há empreendedores oriundos de empresas tradicionais, algumas delas bastante hierárquicas, que buscam ter relações de ganha-ganha com seus parceiros. Noções como transparência, confiança e respeito passam a entrar na pauta dos projetos dos empreendimentos. Os espaços coletivos de produção passam a ser aglutinadores de novas relações de trabalho em que a competição doentia não encontra lugar. O importante passa a ser manter seus empreendimentos ao mesmo tempo em que os processos de produção de serviços e produtos estejam alinhados com uma ética de respeito e cuidado.

A gestão do espaço cujas responsabilidades são o gerenciamento das locações, a manutenção da infraestrutura e a comunicação interna e externa é realizada por uma pessoa que assume um papel semelhante ao de um síndico. Em alguns casos, há um grupo gestor em que as responsabilidades e tarefas são divididas entre os integrantes. Os espaços coletivos de produção são, portanto, formas organizacionais centralizadas, porém não são rígidas. Com isso queremos dizer que um empreendimento, também chamado de residente, pode resolver alguma demanda se sentir-se apto para tal tarefa. Se uma lâmpada estiver queimada, se o lixo precisar ser recolhido ou se algo precisa ser comunicado, os residentes têm autonomia para solucionar o problema, assim como cada empreendimento tem relativa autonomia para realizar suas atividades dentro de suas salas ou nichos. Mas para realizar atividades nos espaços compartilhados, explícitas ou não, há certas regras: os residentes devem deixar o local limpo após o uso, comunicar aos demais se a atividade interfere no cotidiano do espaço e repor materiais que eventualmente forem utilizados.

As relações que se estabelecem nos espaços coletivos de produção entre os integrantes são, acima de tudo, parcerias de trabalho. Entre os empreendimentos de um mesmo espaço, são realizados trabalhos para um mesmo cliente, ou um empreendimento é fornecedor de outro em algum projeto. Nesse sentido há o papel do gestor ou gestores do espaço que normalmente são as pessoas que conhecem e atendem aqueles que por ali circulam, que costumam impulsionar a conexão entre empreendedores. As ações para que isso aconteça vão desde a apresentação de uma pessoa para outra até a realização de eventos como happy hours. A troca de conhecimentos e experiências entre eles acaba por influenciar seus projetos. Uma empresa de comunicação pode se inspirar em algum empreendimento de tecnologia e vice-versa. Essas situações foram relatadas pelos gestores dos espaços como de grande valor para a rede que ali se forma. 

Há também algumas relações de parceria e compartilhamento entre diferentes espaços coletivos de produção. Seja a colaboração nos mesmos projetos, seja em momentos de lazer, como o pessoal da A Casa que joga futebol no campo da Area 51. Entretanto, o que vimos durante a pesquisa é que as relações entre diferentes espaços ainda são muito incipientes. Os gestores entrevistados demonstraram muito interesse em manter contato com integrantes de outros espaços, mas todos eles apontaram a falta de tempo como um empecilho para isso. A necessidade de focar nos seus próprios negócios os impede de ter uma atitude proativa quanto à conexão com outros atores, pois, mesmo que existam gestores específicos para a administração do espaço, eles também possuem seus próprios empreendimentos, com raras exceções. Suas funções de gestores e de empreendedores sobrepõem-se.

Já as relações com outros atores externos como universidades, iniciativa privada, poder público e sociedade civil se dão em função dos projetos, no papel de clientes, fornecedores e parceiros. Há um interesse das universidades em aproximar os alunos das práticas de mercado realizadas nos espaços coletivos de produção, por exemplo. Disciplinas de diferentes cursos de graduação e pós-graduação desenvolvem projetos com os empreendedores. Identificamos também um número significativo de pesquisas acadêmicas sendo realizadas não apenas nos empreendimentos, mas nos próprios espaços coletivos de produção.

Em contrapartida, não há muita proximidade com o poder público. No caso específico de Porto Alegre, quando havia o Gabinete de Tecnologia e Inovação (INOVAPOA) da Prefeitura Municipal, os pontos de contato com o governo eram mais frequentes. Porém, poucas iniciativas de políticas públicas foram de fato encaminhadas. Para citar uma, em junho de 2016, foi assinado um decreto que concedia incentivos fiscais de IPTU e ITBI às empresas de base tecnológica, inovadora e de economia criativa localizadas apenas em cinco bairros (Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos), de uma região específica da cidade.

De qualquer maneira, independente de subsídios do governo, os espaços coletivos de produção têm se mostrado alternativas para os modos de produção tradicional. Não sem desafios e dificuldades, operam no modo de design de forma crítica e criativa, buscando novas formas de empreender e deixar um legado positivo e consciente para a sociedade.

Portanto, os espaços coletivos de produção promovem inovação social através de novos modos de produzir e de colocar em prática ideias e projetos. Entre as iniciativas nesses espaços há várias que reutilizam recursos que iriam para o lixo e reaproveitam materiais. Elas até podem representar uma nova roupagem do capitalismo (o chamado capitalismo consciente), mas ao contrário de muitas empresas com fins estritamente voltados ao lucro, elas possuem a preocupação de serem menos prejudiciais ao meio ambiente e à sociedade. Evidente que isso não é o suficiente, mas é um começo de mudança de consciência. Sendo assim, os espaços coletivos de produção formam o segundo arquipélago (figura abaixo) de modos de ser e de fazer que já mostram sinais visíveis de um continente sustentável submerso.

Fonte: Elaborada pela autora.

Os espaços coletivos de produção inovam na medida em que buscam desenvolver e incentivar novas relações sociais nos processos de produção e de trabalho. Buscam um envolvimento e cuidado maior com matérias primas, com o ciclo dos produtos criados e nos relacionamentos com fornecedores, clientes e parceiros. Evidentemente, ainda estão no caminho para que alcancem processos sem nenhum tipo de desperdício, mas já atuam nesse sentido a partir de pequenos atos. Pela ótica da inovação social como solução para problemas sociais, estão também cooperando com a geração de renda através de sua capacidade produtiva, fazendo com que essa renda circule entre outros atores.

 

As fotografias a seguir ilustram alguns exemplos. A primeira mostra a sócia do empreendimento Estúdio Terra Mater sediado no Galpão Makers lixando um pedaço de tronco de madeira que será reaproveitado como tábua para servir alimentos. A montagem de fotografias é de uma jaqueta criada pela Céu Handmade, localizada na A Casa, feita com tecidos de uma camisa e de um lenço.

Fonte: Denz (2017).
Fonte: Céu Handmade (2017).

Mesmo com diferenças entre as casas colaborativas e os espaços coletivos de produção quanto às formas de gestão e quanto a seus propósitos percebemos que são ecossistemas criativos com muitas características em comum. Em ambos os casos, o perfil dos integrantes é de jovens brancos de classe média com diplomas universitários. Apesar de realizarem ações em prol de uma cidade mais justa e inclusiva, o real engajamento para reivindicar por mudanças é ainda pouco expressivo. Além disso, a predominância de empreendimentos comerciais (como pode ser observada nos mapeamentos aqui e aqui), em que seus responsáveis estão preocupados em manter seus negócios vivos antes de mais nada, acaba por afastá-los de algumas ações mais coletivas.

Em função dessa percepção, passamos então a observar a realidade ao nosso redor para identificar ecossistemas criativos que aportassem outros aspectos para uma perspectiva de civilização sustentável. Foi através da participação em encontros para a discussão do desenvolvimento de uma região específica da cidade de Porto Alegre, o chamado Quarto Distrito, que tomamos conhecimento de um terceiro ecossistema criativo com características bastante distintas dos anteriores, mas ainda assim com alguns pontos em comum: as ocupações urbanas

© 2018 by Aline Callegaro de Paula Bueno. Proudly created with Wix.com

bottom of page