ENCONTROS
COLABORATIVOS
Como apresentado na seção anterior, os diálogos estratégicos nos mostram pontos em comum entre os ecossistemas criativos capazes de abrir caminhos para a coalizão de design desejada. Esses diálogos necessitam de tempo e espaço para que aconteçam. Propomos, portanto, que eles sejam articulados por designers estratégicos e que ocorram em encontros colaborativos entre integrantes dos diferentes tipos de ecossistemas criativos e outros atores.
Quanto a propostas de encontros colaborativos poderíamos, assim como fizemos com os temas de diálogo acima, sugerir diversas possibilidades de formatos. Ao abordar o conceito de encontro colaborativo, Manzini (2017a) apresenta alguns exemplos como cooperativas, feiras, jardins comunitários, restaurantes e reuniões de moradores. Poderíamos seguir nessa linha com inúmeras opções de encontros, dos mais variados tipos. Entretanto, optamos por um caminho um pouco diferente. Optamos por defender apenas uma proposta que ao nosso ver pode vir a englobar os mais variados formatos, assim como acreditamos que está alinhada aos conceitos que procuramos discutir neste trabalho. Nossa proposta é de um encontro colaborativo no formato de um Projeto de Extensão Universitária transdisciplinar coordenado pelo design.
A Extensão Universitária, conforme a definição da Política Nacional de Extensão Universitária elaborada nos encontros nacionais do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (FORPROEX), é
[...] um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político, por meio do qual se promove uma interação que transforma não apenas a Universidade, mas também os setores sociais com os quais ela interage. Extensão Universitária denota também prática acadêmica, a ser desenvolvida, como manda a Constituição de 1988, de forma indissociável com o Ensino e a Pesquisa, com vistas à promoção e garantia dos valores democráticos, da equidade e do desenvolvimento da sociedade em suas dimensões humana, ética, econômica, cultural, social. (FORPROEX, 2012, p. 42).
Mas, para além desta definição formal, também compreendemos a Extensão Universitária de acordo com uma perspectiva fornecida por Freire (1985). De acordo com o autor, o termo extensão pode ser interpretado como uma ação de levar algo a alguém, de transferir conhecimento de quem o possui para quem não o possui. Mas para Freire (1985, p. 22), o conhecimento não faz esse caminho, ele "[...] se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações". Um sujeito não é alguém que nada sabe e que passivamente recebe conhecimento de alguém mais culto. Todos possuem seus próprios saberes, sejam eles acadêmicos ou não. Portanto, para Freire (1985, p. 46) a extensão deveria ser entendida como comunicação, ou seja, "[...] um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados". É neste sentido que entendemos a Extensão Universitária, como um encontro entre a universidade e a sociedade, em que ambos possuem seus próprios conhecimentos, todos igualmente válidos.
Atualmente, no Brasil, a atividade de extensão é percebida como o primo pobre (D'OTTAVIANO; ROVATI, 2017, p. 20) do tripé ensino-pesquisa-extensão no qual se estrutura a universidade. É uma atividade muitas vezes confundida com cursos de curta duração oferecidos para o público em geral, assessorias técnicas ou consultorias. Mas acreditamos que o papel da Extensão Universitária é muito mais do que isso. Ela tem a capacidade de vir a ser uma tática micropolítica de resistência. (BRITTO, 2017, p. 33). Resistência à transformação das universidades em instituições que moldam seus cursos de graduação e pós-graduação para atender as demandas tecnicistas do mercado. Além disso, também é interpretada como resistência enquanto espaço e tempo para experimentações pedagógicas e investigativas, para o exercício da criatividade e para a atuação junto a comunidades excluídas de processos decisórios. (BRITTO, 2017). A Extensão Universitária é então vista como uma
[...] ação política e espaço público, locus privilegiado da interação entre universidade e sociedade pautado pela prática da democracia, pelo combate aos preconceitos e às desigualdades sociais, pelo diálogo e parceria fraterna entre "diferentes", pela experimentação com vistas ao enfrentamento de problemas relevantes para a população mais vulnerável e pobre do país, pela procura e invenção de um conhecimento que transforma. (D'OTTAVIANO; ROVATI, 2017, p. 17, grifos dos autores)
O potencial transformador da Extensão Universitária e sua prática pautada pela democracia e processos dialógicos nos fez enxergá-la como um encontro colaborativo com a capacidade de integrar os ecossistemas criativos que apresentamos e suas diferentes e complementares visões de mundo. Encontro esse que possui as quatro características elencadas por Manzini (2017a): envolvimento ativo, envolvimento colaborativo, intensidade relacional e intensidade dos vínculos sociais.
Um projeto de Extensão Universitária abrange uma série de atividades coordenadas que vão exigir maior ou menor envolvimento ativo dos participantes, ampliando assim suas capacidades e funcionamentos como o que propõe Nussbaum e Sen (1993) em sua abordagem das capacidades. Assim como haverá envolvimento colaborativo, no sentido de uma construção social em que há acordos entre os participantes em uma cooperação dialógica. (SENNETT, 2015). Quanto à intensidade relacional, ousamos dizer que as atividades de Extensão Universitária proporcionam uma miríade de relações Eu-Tu como descreve Buber (1937). Relações em que há entrega, confiança e intimidade entre professores, alunos, pesquisadores e comunidade. E a intensidade dos vínculos interpessoais, tanto vínculos fortes como fracos (GRANOVETTER, 1973), se faz presente no processo do projeto, conforme as ações que são levadas a cabo.
Pelas suas características, um projeto de Extensão Universitária como um encontro colaborativo teria o potencial de ser um formato integrador dos diferentes atores em torno dos temas de diálogos estratégicos propostos. O projeto poderia focar em um ou mais temas, atuando com diversos ecossistemas criativos. Em função disso, acreditamos que é de suma importância um projeto transdisciplinar (mais do que interdisciplinar como está na definição da Política Nacional de Extensão Universitária) que leve em consideração conhecimentos acadêmicos e não acadêmicos. (NOGUEIRA, 2017). Um projeto que contasse com professores, pesquisadores e estudantes de áreas como sociologia, economia, agronomia, nutrição, comunicação, artes, entre outras. E também de pessoas de fora da academia, com conhecimentos práticos diversos.
Mas para articular essas diferentes áreas, acreditamos que a disciplina mais capaz para isso é o design estratégico. Por sua abordagem sistêmica, sua natureza integradora de diversos atores e visões, sua capacidade de promover o diálogo, entendemos que é a disciplina mais apta para a coordenação de um projeto como esse. Além disso, seria uma maneira de colocar em prática uma provocação do próprio Manzini (2017a), de fazer das escolas de design agentes de mudança de modelos dominantes na sociedade contemporânea. Quanto à relação da extensão com a pesquisa e o ensino, o autor aponta que as escolas de design podem ainda alimentar "[...] programas abertos de pesquisa em design e os diálogos sociais mais gerais com visões e alternativas preciosas, críticas e não convencionais". (MANZINI, 2017a, p. 88).
Por fim, percebemos também a Extensão Universitária como um encontro colaborativo alinhado com as propostas de Morin (2000c) quanto à religação dos saberes e à transdisciplinaridade. Tal atividade seria, portanto, uma forma de integrar diferentes conhecimentos, especializados e difusos, das mais diversas disciplinas. Outro ponto de alinhamento com o pensamento de Morin (2000c) diz respeito à Extensão Universitária como uma atividade que visa a "[...] promoção e garantia dos valores democráticos". (FORPROEX, 2012, p. 42). Para Morin (2000c), quanto mais os cidadãos valorizarem a diversidade de ideias e interesses e evitarem a hiperespecialização do conhecimento e o pensamento disjuntivo, poderão retomar e reivindicar sua participação em processos decisórios no âmbito político. O autor faz um alerta ao afirmar que
Os cidadãos são expulsos do campo político, que é cada vez mais dominado pelos “expertos”, e o domínio da “nova classe” impede de fato a democratização do conhecimento. [...] Nessas condições, a redução do político ao técnico e ao econômico, a redução do econômico ao crescimento, a perda dos referenciais e dos horizontes, tudo isso conduz ao enfraquecimento do civismo, à fuga e ao refúgio na vida privada, a alternância entre apatia e revolta violenta e, assim, a despeito da permanência das instituições democráticas, a vida democrática se enfraquece. (MORIN, 2000c, p. 112).
Como forma de evitar o enfraquecimento da vida democrática, a Extensão Universitária poderia ser o locus de uma experimentação da democracia em menor escala, podendo se expandir para o exercício dela fora dos muros das universidades.
Em 2017, Manzini e Margolin (DESIS, 2017) publicaram uma carta com a intenção de provocar pesquisadores, professores, estudantes e profissionais de design a se posicionarem a respeito da atual situação da democracia no mundo. Atividades como palestras, oficinas e mesas redondas foram realizadas em diversos países. Em Porto Alegre, o SeedingLab organizou um ciclo de cinco encontros chamado Design para Democracia no qual foram abordados temas como mídias, espaço urbano, ética, processos e práticas de design para a democracia. O ciclo foi configurado como um Projeto de Extensão Universitária, mas poderia evoluir para um projeto de maior duração, com outras atividades, se aproximando mais ainda das comunidades e colaborando para a integração de ecossistemas criativos que já atuam na promoção e garantia dos valores democráticos.





Talvez, um projeto de Extensão Universitária seja uma resposta à pergunta feita anteriormente: será mesmo que a única maneira de abraçarmos a complexidade que se apresenta a nós é compartimentando-a em pequenos pedaços? Quiçá, um projeto de Extensão Universitária seja uma maneira de abraçar a complexidade simultaneamente, tanto no sentido amplo quanto no restrito, para integrar ecossistemas criativos tão diversos em prol de um mundo de maior bem-estar e melhor qualidade de vida urbana.