COALIZÃO DE
DESIGN
De acordo com Manzini (2017a), uma coalizão de design é uma ação de design estratégico que reconhece possíveis parceiros para criar valores e interesses compartilhados com eles. E isso para que, juntos, através de uma série de iniciativas de design, possam atingir um objetivo em comum. Até então apresentamos a nossa escuta dos possíveis parceiros para o desenvolvimento de uma coalizão. Buscamos mostrar que os quatro tipos de ecossistemas criativos promovem inovações sociais que colaboram para a construção cotidiana e de baixo para cima de uma cidade mais justa, resiliente, inclusiva e sustentável. (NAÇÕES UNIDAS, 2015), bem como para uma cidade baseada na ética do cuidado consigo mesmo, com o outro e com o planeta, e no compartilhamento justo dos recursos disponíveis. (HOLMGREN, 2013).
Como pudemos ver, cada um dos quatro tipos de ecossistemas criativos tem seus processos e práticas específicos e promove à sua maneira inovação social em direção à sustentabilidade. As novas relações sociais desenvolvidas pelas casas colaborativas e pelos espaços coletivos de produção geram e são geradas por novos modos de gerenciar e de produzir, respectivamente. Já as ocupações urbanas desenvolvem novas relações sociais que geram e são geradas por outros modos de reivindicar por direitos, enquanto as moradias compartilhadas criam outras formas de convivência e sociabilidade que fogem do padrão.
Os modos verticais e centralizados de gestão já mostraram algumas falhas ao longo da história e os novos métodos levados a cabo pelas casas colaborativas nos mostram outras possibilidades de relações entre integrantes de uma organização. Nos mostram que é possível dar voz a todos e construir de fato projetos colaborativos e democráticos em que há a abertura para que todos participem dos processos de decisão. Também os modos de produção que não levam em conta os limites do planeta já estão sendo superados. Os espaços coletivos de produção são a mostra disso. Os empreendedores buscam processos sustentáveis em diversos pontos do ciclo de produção e estão atentos às relações mais justas de trabalho. Por outro lado, as ocupações urbanas representam uma parte significativa da população que luta pelo direito de ter uma moradia digna. Mobilizam-se para dar função social a propriedades vazias e abandonadas que poderiam ser espaços cheios de vida. As ocupações nos mostram que a inclusão social é necessária para que haja uma cidade de fato sustentável. Não somente construir um lar é importante, como construir as relações que nele se estabelecem. Neste sentido, as moradias compartilhadas vêm salientar a relevância do convívio entre as pessoas, das trocas afetivas e até mesmo das regras necessárias para se viver em comunidade.
Podemos arriscar dizer que apesar de não serem de fato designers, os integrantes dos ecossistemas criativos fazem design através de modos próprios e constroem no dia-a-dia a cidade que desejam e precisam. Ao invés de isolarem-se em comunidades longe das cidades, desenvolvem suas propostas alternativas no meio urbano. Entendemos que esses ecossistemas criativos, através de suas diferentes formas de se organizar, de produzir e de conviver promovem diversas descontinuidades locais (MANZINI, 2008), assim como possuem o potencial de serem possibilidades de sobrevivência ao contexto atual, de afirmação de diferença e de melhorias na qualidade de vida urbana. (FRANZATO et al., 2015).
Nossa intenção enquanto pesquisadores foi explorar processos e práticas de design que poderiam reorganizar e fomentar as relações entre os ecossistemas criativos para que eles se fortaleçam com as trocas e compartilhamentos. Para que aprendam uns com os outros e possam se apresentar como uma alternativa viável de cidade, em um momento tão necessário. Momento esse que destaca aspectos de um contexto político, econômico e social que vai no sentido contrário ao que os ecossistemas criativos investigados se direcionam.
No momento, o que visualizamos são os ecossistemas criativos semelhantes como ilhas próximas umas das outras em um arquipélago. Apesar de não haver fortes relações entre os ecossistemas criativos do mesmo tipo, eles estão conectados devido às semelhanças nas suas formas de organização interna.
Neste momento cabe um esclarecimento. Poderíamos ter interpretado que o grupo formado por vários espaços coletivos de produção, para citar um exemplo, é um ecossistema criativo. Mas não o fizemos por dois motivos. Primeiro, por entendermos que não há relações e interações suficientes entre eles para que sejam caracterizados atualmente como um ecossistema. São sim ecossistemas em potencial, pois é possível que estabeleçam relações entre si em um momento futuro. Entretanto, hoje, suas interações são mínimas. Como afirma Morin (2016, p. 174), "[...] o mesmo 'hólon' pode ser considerado como ecossistema, sistema, subsistema, de acordo com a focalização do olhar do observador". Portanto, foi nossa escolha enxergar cada coletivo, empresa ou família como sistemas.
Para tornar mais claro o entendimento, classificamos da seguinte maneira:
a) as pessoas são os artistas, moradores, empreendedores, funcionários que compõem cada sistema;
b) os sistemas são empresas, coletivos ou famílias formadas pelas relações entre várias pessoas;
c) o ecossistema criativo é formado pelas relações entre diversos sistemas e pessoas, e nesta pesquisa também é visto metaforicamente como uma ilha;
d) vários ecossistemas criativos aproximados pelas semelhanças de suas características formam um arquipélago que podemos dizer que é um tipo específico de ecossistema criativo;
e) por fim, vários arquipélagos são as partes visíveis do continente submerso de uma civilização sustentável do qual nos fala Manzini (2017a).
A figura abaixo nos ajuda a enxergar um conceito fundamental para a coalizão de design: o de unitas multiplex. (MORIN, 2016). Cada ilha ou ecossistema criativo é diferente um do outro, ou seja, são múltiplos e diversos. Entretanto, vários deles formam uma unidade e estão conectados mesmo que por laços fracos, pois compartilham características semelhantes. Podemos observar também as diferenças entre os arquipélagos, o que confere diversidade quando olhamos para o todo. As partes então têm "[...] identidade própria e participam da identidade do todo". (MORIN, 2016, p. 148). Uma coalizão de design, portanto, precisa ao mesmo tempo valorizar e preservar a diversidade dos diferentes atores e perceber as inter-relações entre eles para que formem um todo, uma unidade.

Fonte: Elaborada pela autora.
Ainda utilizando a figura acima como um meio para refletirmos, podemos ver que ali encontra-se uma determinada ordem e organização. É este o retrato do contexto tal qual o vemos hoje, ecossistemas criativos sem conexões mais estreitas. Neste processo, o designer estratégico assume um papel de agitador, de perturbador, de provocador de turbulências. No caso dos arquipélagos demonstrados acima, o designer estratégico vai de modo imaginativo movimentar as ilhas para que elas se reconectem de outra maneira. É o ponto em que a desordem criadora abre possibilidades para outras formas de ordem e organização. Relembramos aqui o circuito tetralógico de Morin (2016), em que a desordem gera encontros que promovem interações entre os elementos, que gerará uma nova organização e uma nova ordem. Continuando com a representação gráfica do processo, temos a figura a seguir em que uma agitação momentânea foi provocada entre os ecossistemas criativos.

Fonte: Elaborada pela autora.
É a partir dessa turbulência, dessa mistura, então, que surgem novas possibilidades de relações. Esta nova leitura do contexto, esse processo criativo, é o que pode gerar a coalizão de design. É o que vai reconfigurar os elementos, de um modo novo, aproximando as ilhas a partir de outros critérios que não apenas a semelhança por formato organizacional.
A coalizão de design que propomos parte das ideias, visões e objetivos convergentes entre os ecossistemas criativos, mas mantendo e valorizando as especificidades de cada um. A partir da observação das atividades realizadas em cada ecossistema criativo e pelos empreendimentos neles situados, pudemos perceber que já existem valores e interesses compartilhados entre eles, porém, as pessoas parecem não enxergar tal convergência devido ao distanciamento e falta de diálogo entre elas.
As ideias convergentes dizem respeito, no geral, a uma cidade com mais qualidade de vida e bem-estar. Embora tenham discursos por vezes antagônicos, os ecossistemas criativos têm muitos pontos em sintonia. Entendemos que é rumo a uma sociedade com esses aspectos que seria importante nos direcionarmos, a fim de colaborarmos com uma transformação social mais ampla. Conectar e reorganizar esses ecossistemas criativos, tornando visível o continente de uma civilização mais sustentável é, portanto, o objetivo da coalizão de design que propomos. Na Figura 18, representamos como seria uma nova ordem e organização, com os ecossistemas criativos integrados devido aos diálogos estratégicos possíveis em função de suas atividades e objetivos convergentes. Nesta nova configuração desaparecem os arquipélagos e emerge a imagem do continente submerso.

Fonte: Elaborada pela autora.
É importante ressaltar que o objetivo da coalizão de design não é exatamente projetar as relações entre os ecossistemas criativos, até porque, como já mencionamos, entendemos que é impossível projetar relações, mas sim criar as condições para que elas possivelmente aconteçam. Sendo assim, a proposta de coalizão de design possui uma dimensão metaprojetual, pois mais do que projetar um produto final, a intenção é proporcionar processos abertos o suficiente para que outros atores possam participar e projetar de forma autônoma, sem necessariamente a presença do designer. (FRANZATO, 2014). Os resultados da coalizão de design são, portanto, incertos e imprevisíveis.
A dimensão metaprojetual do processo de coalizão de design também diz respeito ao seu caráter crítico-reflexivo.
Durante todo o processo o designer critica, analisa e reflete sobre ele. (BENTZ; FRANZATO, 2016). Com isso, ao longo do percurso, sugere, aprende e experimenta novos caminhos e possibilidades em conjunto com os outros atores envolvidos. Neste sentido, o processo de projeto acaba por mesclar-se com um processo de pesquisa, pois, simultaneamente, o designer projeta e investiga o próprio processo de projeto. (FRANZATO, 2011). Ao longo do desenvolvimento deste estudo, pudemos perceber a indissolução entre projeto e pesquisa. Por vezes, sentíamos que investigávamos conceitos, processos e práticas, mas, ao mesmo tempo, já projetávamos as propostas apresentadas neste capítulo.