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MORADIAS

COMPARTILHADAS

No decorrer desta pesquisa em busca de iniciativas em Porto Alegre que promovessem inovações sociais em direção à sustentabilidade, encontramos um quarto tipo de ecossistema criativo. Inicialmente, pensamos que poderia ser considerado o mesmo que casas colaborativas. Entretanto, ao aprofundarmos a investigação a seu respeito, percebemos que se tratavam de ecossistemas criativos bastante distintos e que promoviam outro tipo de inovação social.

 

Em Porto Alegre, identificamos três moradias compartilhadas em uma região central da cidade: Casa Bosque, Comuna da Lopo e Comuna do Arvoredo. Durante a pesquisa estivemos na Casa Bosque e Comuna do Arvoredo para coletar dados.

Embora sejam em menor número se comparados com os outros tipos de ecossistemas criativos, consideramos relevante para a pesquisa, pois aportam um aspecto que entendemos ser fundamental para um futuro mais sustentável: a valorização e o resgate do senso de comunidade e do cuidado mútuo. É fundamental, pois, devido à escala dos problemas sociais, ambientais e econômicos, não é o comportamento individualista de pessoas que pensam e agem apenas em benefício próprio que vai resolvê-los. Pelo contrário, é mais provável que os agravem.

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Durante a pesquisa bibliográfica e em mecanismos de busca digitais sobre o assunto nos deparamos com um grande número de conceitos que definem grupos de pessoas que escolhem morar juntas como cohousing (DURRETT, MCCAMANT, 2011; SCOTTHANSON, C., SCOTTHANSON, K., 2005), co-lares (LUBOCHINSKI, 2017), collaborative living (MANZINI, 2017b) e coliving (MONTESANTI, 2016). De acordo com Lilian Lubochinski (2017), arquiteta e estudiosa sobre o tema, co-lares é o termo em português para cohousing e refere-se a diversas unidades habitacionais completas com quarto, banheiro, sala e cozinha próximas a uma edificação maior em que são realizadas atividades comunitárias. Já o co-lar ou coliving é uma moradia compartilhada em que cada morador tem seu próprio quarto e às vezes seu próprio banheiro, mas que compartilham os outros ambientes. (LUBOCHINSKI, 2017). Na figura abaixo, é possível ver a diferenciação entre os termos e formatos.

Fonte: Cohousing Brasil (2017).

Nesta pesquisa assumimos o termo moradias compartilhadas para descrever as iniciativas mapeadas em Porto Alegre por se tratarem de casas em que os moradores têm seus quartos privados e compartilham os demais ambientes. Optamos pelo termo moradias e não casas para diferenciar das casas colaborativas.

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As moradias compartilhadas são formadas por pessoas que optaram por morar com amigos ou mesmo desconhecidos em uma casa em que espaços, materiais e equipamentos são utilizados por todos. Porém, nessas iniciativas há um balanço entre o que é público e o que é privado. Enquanto a cozinha, a sala e o quintal ou jardim são espaços públicos em que todos podem utilizar, cada um tem seu próprio quarto em que sua privacidade é respeitada. Mas os quartos não precisam necessariamente ser sempre da mesma pessoa. Na Casa Bosque, onde atualmente há seis moradores, ao entrar na casa, todos concordam em fazer um rodízio dos quartos. Cada morador paga a mesma quantia pelo aluguel, portanto não há exclusividade no uso de um quarto específico. Se um integrante deseja trocar de quarto, o assunto é levado às reuniões semanais e decidido de comum acordo entre os moradores. 

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Entretanto, para que haja uma convivência harmoniosa, os moradores estabelecem juntos as regras para que isso seja possível. As regras são construídas ao longo do tempo entre os moradores e são revistas conforme acharem necessário. São realizadas reuniões regulares para tomadas de decisão sobre o planejamento e a manutenção da casa. A auto-gestão e a tomada de decisão não-hierárquica são princípios essenciais nas moradias compartilhadas. É comum nessas iniciativas que os moradores busquem por consenso: se uma pessoa não concorda com determinada questão, realizam reuniões e debates até que todos estejam confortáveis com a decisão que precisa ser tomada. Na fotografia abaixo podemos ver o quadro de divisão de tarefas entre os moradores da Casa Bosque, em que cada um é responsável pela manutenção e limpeza de um dos ambientes da casa.

Fotografia da Casa Bosque. Fonte: Registro da autora.

Os processos participativos são também identificados no próprio projeto da casa ou nas reformas e mudanças para adaptar o espaço físico às necessidades da comunidade que ali habita. Quando é possível, os próprios moradores fazem as reformas ou realizam oficinas em que o resultado fica como legado para o espaço físico. Como exemplo, há o Ciclo Permanente e Inconstante em Práticas em Agroecologia na Cidade na Comuna do Arvoredo. São oficinas de manejo de água da chuva, telhado verde, plantio, sistema de irrigação, alimentação, entre outras práticas.

A alimentação como um todo, desde o plantio até o consumo e descarte, é também uma preocupação constante nas moradias compartilhadas. Na Casa Bosque a piscina foi transformada em horta e o objetivo é que a produção dê conta do consumo interno da casa. Nas moradias compartilhadas os moradores costumam fazer rodízios entre eles para a elaboração de refeições. (BARRETO, 2017). O ato de cozinhar para todos fortalece os vínculos e a cozinha muitas vezes acaba sendo o centro que une todos em momentos de trocas.

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Na Comuna do Arvoredo, são realizadas duas atividades abertas ao público que envolvem alimentação, é o Almoço Expandido de Domingo e a Quinta do Burger Vegânico. As atividades ocupam a calçada em frente, borrando os limites entre público e privado. Em um texto de divulgação das atividades em uma rede social digital, eles expõem que ambos

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[...] são projetos que nos possibilitam expandir as experiências enquanto "viver em comunidade" e ao mesmo tempo problematizar os cardápios hegemônicos e valorizar a agricultura ecológica realizada pelo pequeno produtor. [...] As refeições são momentos muito potentes para o encontro e troca de afeto, para olhar o outro e para olhar pra dentro de si. E a comida, além de proporcionar um prazer incalculável, também cria laços e tem o poder de nos conduzir à conscientização sobre a dominação realizada pela indústria alimentícia [...]. (COMUNA DO ARVOREDO, 2018).

 

A Comuna do Arvoredo também é um ponto de entrega e coleta dos produtos da Cooperativa GiraSol. Os clientes compram os produtos pelo website da cooperativa e buscam no local sempre aos domingos das 13h às 16h. Em contrapartida, a Comuna fica com uma cesta de produtos.

Fotografia da Casa Bosque. Fonte: Registro da autora.

Fotografia da Comuna do Arvoredo. Fonte: Registro da autora.

Apesar de serem espaços prioritariamente de moradia, tais ecossistemas criativos abrem suas portas para atividades como forma de gerar renda para a comunidade pagar o aluguel e outras despesas relacionadas ao imóvel. A Casa Bosque possui uma sala para realização de yoga, meditação, danças circulares, palestras e encontros. Foram feitos investimentos no espaço para que os próprios moradores pudessem usar, assim como pessoas de fora de casa pudessem locar para suas atividades. A intenção é que em um futuro próximo os moradores possam sobreviver e pagar o aluguel a partir da renda das atividades realizadas na Casa Bosque. Atualmente, dos seis moradores, três já conseguem sustentar-se financeiramente a partir do que realizam no local. A Comuna do Arvoredo também realiza atividades como yoga, capoeira, meditações ativas e encontros para o estudo e prática de Comunicação Não Violenta, que são propostas por moradores e não moradores. Outras atividades esporádicas são os eventos como feiras, shows e espetáculos teatrais. Além disso, a Comuna da Lopo tem sua tradicional Festa Anti-Natal, também com o intuito de arrecadar fundos para pagamentos relativos à casa.

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Além dos benefícios da partilha dos espaços e das despesas, as moradias compartilhadas também trazem benefícios quanto ao desenvolvimento pessoal de seus moradores. O convívio com pessoas diferentes, os conflitos que precisam ser resolvidos, a necessidade dos momentos de escuta do outro, acabam por colaborar com processos de autoconhecimento. A vida em comunidades como essas faz com que as trocas tornem-se aprendizados para a transformação de quem delas participa.

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A questão da convivência e da sociabilidade nas moradias compartilhadas permite que seus moradores saiam do isolamento tão comum nos formatos habitacionais tradicionais. A solidão vem se mostrando um problema social cada vez mais presente, principalmente, nas grandes cidades. Em 2018, o Reino Unido criou um grupo de trabalho governamental apelidado de ministério da solidão para criar políticas públicas de combate ao problema. (ROCHA, 2018). O público mais afetado pela solidão costuma ser o de idosos. Em Porto Alegre, apesar de não se tratar exatamente de moradias compartilhadas, mas de cohousings, idosos têm realizado trocas de informações pela internet a partir de um grupo no Facebook e de encontros presenciais para a formação de uma iniciativa na cidade.

A despeito de ser uma alternativa ao isolamento dos integrantes, as próprias moradias compartilhadas parecem ainda não conseguir sair de um isolamento entre elas, não havendo, atualmente, inter-relações entre as mesmas. Entretanto, na entrevista com Ellen Carbonari, uma das idealizadoras da Casa Bosque, ela aponta o desejo de criar uma rede de apoio mútuo entre as iniciativas para que possam compartilhar questões que surgem no processo de organização e uso da casa. Uma das pautas citadas por ela é como conciliar a moradia com as atividades comerciais, como o aluguel de espaços para aulas de yoga e encontros de grupos.

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Mesmo em menor número e sem conexão entre elas, as moradias compartilhadas representam um quarto arquipélago de alternativas de modos mais sustentáveis de vida (figura abaixo). Seu senso crítico manifesta-se não somente quanto a não reproduzir formas tradicionais de morar, mas igualmente quanto à construção de novas formas de produzir e consumir e à crítica aos modelos individualistas e insustentáveis que têm sido reforçados por corporações e instituições. Sua criatividade está em imaginar esses outros micromundos de relações sociais que são colocadas em prática de maneira coletiva e com cuidado.

Fonte: Elaborada da autora.

Certamente a moradia compartilhada não é algo novo, mas se levarmos em consideração o contexto em que foi observada, ou seja, a cidade de Porto Alegre, é uma proposta nova que vem surgindo aos poucos. A inovação social que as moradias compartilhadas ajudam a promover refere-se, portanto, às novas relações sociais que englobam novas formas de conviver e de aprender a partir desse convívio.

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Enquanto que nos prédios residenciais que encontramos pelas cidades as pessoas pouco se conhecem, pouco sabem o nome umas das outras, nas moradias compartilhadas a proximidade entre os moradores é um dos pontos mais importantes. Algo que no cotidiano de pressa e isolamento foi perdido, nas moradias compartilhadas é resgatado. Saber viver com os outros, fazer trocas emocionais significativas e compartilhar dos mesmos espaços para dormir, se alimentar, descansar e trabalhar são aprendizados diários nesse tipo de ecossistema criativo. Podemos dizer que o que as moradias compartilhadas solucionam enquanto inovação social é o problema social da individualidade extrema e do isolamento dos sujeitos.

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