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UNIDADE E DIVERSIDADE EM ECOSSISTEMAS CRIATIVOS

Esta pesquisa tem como um de seus objetivos investigar grupos de pessoas que, ao reconfigurar e ressignificar seus recursos de forma criativa, são capazes de promover inovações sociais em direção à sustentabilidade. Investigá-los no âmbito do design estratégico nos levou a interpretá-los como ecossistemas criativos. O conceito de ecossistema criativo utilizado é fruto dos estudos do Grupo de Pesquisa Design Estratégico para Inovação Cultural e Social. Apresentaremos a seguir as características que definem um ecossistema criativo.

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Um ecossistema é entendido como as inter-relações entre sistemas que constituem uma unidade global organizada. (MORIN, 2016). Desta definição depreendem-se três propriedades de um ecossistema: a relacional refere-se às inter-relações, conexões, interações e trocas de qualquer natureza entre os sistemas e entre eles e o meio; a global diz respeito à uma noção de totalidade; e a organizacional refere-se à organização que "liga de maneira inter-relacional os elementos ou acontecimentos ou indivíduos diversos que, a partir daí, se convertem em componentes de um todo". (MORIN, 2016, p. 133).

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De acordo com Morin (2016), tais propriedades de um ecossistema são indissociáveis pois a inter-relação entre os elementos, ou seja, entre os sistemas, gera qualidades e propriedades novas que podem ser concebidas como a organização e a unidade global. A unidade global tem como aspectos característicos a organização e as novas qualidades; e a organização produz a unidade global, assim como as novas qualidades e propriedades. Sendo assim, para compreender um ecossistema não é possível isolarmos essas propriedades, elas precisam ser observadas umas em relação com as outras.

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Além das inter-relações entre os sistemas que compõem um ecossistema, há as interações entre o ecossistema e o meio circundante, caracterizando assim sua abertura. Um ecossistema aberto realiza trocas materiais, energéticas, informacionais e organizacionais com o meio. (MORIN, 2015). Devido à sua abertura, os ecossistemas sofrem mudanças que resultam em desequilíbrio a partir das interferências do meio e de outros ecossistemas. Por serem ao mesmo tempo abertos e delimitados, os ecossistemas têm a capacidade de se auto-organizarem internamente, portanto, não apenas toleram as interferências a ponto de não se desintegrarem totalmente, como geram ordem e organização a partir delas.

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A sua natureza aberta e simultaneamente delimitada denota uma noção antagônica e complementar de autonomia e dependência. Enquanto um ecossistema é dependente da alimentação fornecida pelo meio para que siga existindo, é em razão dessa dependência que ele é capaz de ser autônomo. A relação entre autonomia e dependência é, portanto, um aspecto que aponta para a complexidade inerente a esses sistemas. (MORIN, 2015).

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Para nos ajudar a compreender essa complexidade, Morin (2015) destaca três princípios. O princípio dialógico, já mencionado no capítulo 2, trata da união de conceitos antagônicos, mas que são ao mesmo tempo complementares. De acordo com Le Moigne e Morin (2000, p. 204) o "[...] problema é, pois, unir as noções antagônicas para pensar os processos organizadores, produtivos e criadores no mundo complexo da vida e da história humana".

 

O princípio hologramático diz respeito à percepção de que não somente os sistemas que configuram um ecossistema estão nele como o próprio ecossistema está nos sistemas. (MORIN, 2015). Assim como o ecossistema está inserido em um meio e esse meio está no ecossistema, não é possível separá-los, pois um integra o outro. Neste sentido, os sistemas possuem propriedades do ecossistema e o ecossistema também possui propriedades dos sistemas.

 

O princípio recursivo nos mostra que ao se auto-organizarem e, portanto, se autoproduzirem, os ecossistemas criativos são produtores e produtos deles mesmos. E se o todo está na parte e a parte está no todo, como afirma o princípio hologramático, quando um ecossistema se autoproduz e se auto-organiza, ele também produz e organiza o meio (ou seja, a sociedade). Morin (2015) denomina essa noção de auto-eco-produção e auto-eco-organização.

 

Nesta pesquisa, um ecossistema criativo é concebido como as inter-relações entre grupos de pessoas que constituem uma unidade coletiva organizada. Sendo assim, a criatividade do ecossistema diz respeito à criatividade humana. Refere-se aos processos criativos e também colaborativos desenvolvidos pelas pessoas que têm o potencial de gerar toda a sorte de dispositivos para a transformação do mundo. (FRANZATO et al., 2015). São processos criativos e colaborativos que, por se desenvolverem em um contexto turbulento e em ebulição, são capazes de promover inovações e rupturas em lógicas atualmente dominantes.

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A ideia de um contexto turbulento nos remete a uma noção de desordem de potencial criador e organizador que entendemos como oportunidade para o surgimento de processos criativos, colaborativos e inovadores. Como explica Morin (2016, p. 100):

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A desordem está em ação por toda parte. Ela permite (flutuações), fomenta (encontros) a constituição e o desenvolvimento dos fenômenos organizados. Ela coorganiza e desorganiza, alternativa e simultaneamente. Todo devir está marcado pela desordem: rupturas, cismas, desvios são as condições de criações, nascimentos e morfogêneses.

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Podemos mais uma vez trazer o circuito tetralógico (Figura 3 apresentada anteriormente) para ilustrarmos a citação acima. É através de um processo inerentemente colaborativo e interativo entre a desordem, a ordem e os encontros que geram interações que surge algo novo, uma nova organização, uma reconfiguração, algo potencialmente inovador.

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Para Morin (2016, p. 128), "Nosso mundo organizado é um arquipélago de sistemas no oceano da desordem". Se entendemos que a desordem é um contexto turbulento, mas que também guarda um potencial de criação e organização, podemos dizer que o oceano que circunda os arquipélagos alimenta-os com criatividade e possibilidades de rupturas.

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Nesta pesquisa interpretamos os ecossistemas criativos como as ilhas que formam os arquipélagos do continente submerso de civilização sustentável. (MANZINI, 2017a). Cada ecossistema criativo, assim como cada ilha, tem as suas características próprias. Entretanto, algumas dessas características são compartilhadas com outras ilhas, que estão próximas por semelhança de seu modo de organização, o que nos leva à imagem de um arquipélago como representado abaixo.

A representação gráfica acima ajuda-nos a visualizar as inter-relações (linhas amarelas) entre as pessoas (pontos vermelhos) que formam os sistemas, e as inter-relações (linhas laranjas) entre os sistemas que fazem parte do ecossistema criativo. Assim como as inter-relações em potencial (linhas brancas pontilhadas) entre os ecossistemas criativos, relações essas que podem vir a surgir em algum momento futuro. As inter-relações são interações, ligações, compartilhamentos e trocas entre as pessoas que podem ter como objeto informações, conhecimentos, afetividades e comprometimentos. São essas inter-relações que vão gerar processos criativos e colaborativos entre as pessoas que, por sua vez, têm o potencial de originar novas ações de transformação do mundo que, no caso desta pesquisa, são as inovações sociais orientadas à sustentabilidade.

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Para Manzini (2017a, p. 44), o "[...] nosso mundo, o mundo dos seres humanos, é o mundo onde construímos a nós mesmos e preenchemos com significado". Porém, esse processo de construção pode funcionar, simplificadamente, de dois modos: o modo convencional e o modo de design. O modo convencional é aquele em que construímos da mesma maneira como vem sendo feito, conforme o que é tradicionalmente instituído e padronizado. Já construir a nós mesmos e ao nosso mundo através do modo de design significa combinar três dons humanos: senso crítico, criatividade e senso prático. (MANZINI, 2017a, 2017b). É desse modo que operam os ecossistemas criativos, sejam eles formados por designers e/ou não-designers, ao promoverem inovações sociais orientadas à sustentabilidade.

 

O senso crítico é a capacidade de observarmos a realidade ao nosso redor e perceber o que não deveria ser aceitável. Nos permite reconhecer e julgar o que não podemos consentir conforme nossos próprios valores. Os ecossistemas criativos têm, portanto, a habilidade de analisar seu contexto, refletir sobre ele e realizar as devidas críticas. E não se refere apenas ao senso crítico do que ocorre ao seu redor, mas também um senso autocrítico, reflexivo, que permite e impulsiona sua própria transformação.

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Ao partir dessa percepção crítica, os ecossistemas criativos desenvolvem sua criatividade que, para Manzini (2017a), é a capacidade que temos de imaginar o que ainda não existe, como as coisas poderiam ser. A criatividade do modo de design está relacionada a um raciocínio abdutivo, pois propõe novas ideias e significados. Imaginar como o mundo pode ser nos permite um exercício para a descoberta de inúmeras alternativas possíveis, e é o senso prático do modo de design que possibilita que essas alternativas sejam concretizadas, experimentadas e evoluídas ao longo do tempo.

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Até aqui expusemos uma interpretação de ecossistemas criativos baseada em conceitos do pensamento complexo e na metáfora de ilhas como partes visíveis de um continente submerso que representa um mundo mais sustentável. Vemos então os ecossistemas criativos como as inter-relações entre sistemas formados por pessoas, abertos para trocas com outros ecossistemas e o meio, e delimitados o suficiente para que possam sobreviver enquanto unidade global organizada. São ecossistemas que operam no modo de design e desenvolvem processos criativos e colaborativos geradores potenciais de inovações sociais alinhadas a uma perspectiva de sustentabilidade social, ambiental e econômica. Dessa forma, os ecossistemas criativos guardam um potencial transformador de si mesmos e do mundo.

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Na seção seguinte, serão descritas ilhas e, consequentemente, arquipélagos identificados em Porto Alegre a partir de nossa pesquisa de campo. Com isso, a intenção é mostrar como se manifestam os ecossistemas criativos na prática e, também, mostrar que já podemos ter hoje um vislumbre do mundo sustentável que pode emergir no futuro com a colaboração da cultura de design.

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